Refinaria em Suape: o outro lado da moeda
Luiz Lira(*)
A refinaria de petróleo em Suape é dogma industrial. Não se discute. Implanta-se. Esta é a lógica do poder. Não sei se o povo for consultado fique contra. Refinaria é a religião do progresso. O saldo de mais de 50 milhões de brasileiro em estado de miséria, face ao modelo de “desenvolvimento” não tem servido para mudar o discurso. Uma vez por outra, aparece um dirigente, independente de sua opção política, reivindicando a refinaria para Suape. A cantiga é a mesma. Somos o país mais industrializado do hemisfério sul , não podemos parar o progresso.
Em Pernambuco, para não dizer no país inteiro, os rios, estuários, baías e o mar não são considerados como fábricas naturais de alimentos. A indústria da natureza não interessa. Ela não gera impostos, só ajuda a matar a fome do povo.
A refinaria em Pernambuco, é o “messias” do desenvolvimento, ela transcende a tudo. Poluição não importa, o que vale é industrializar. Depois vêm os ecologistas inventando que as refinarias poluem a atmosfera e, estão também, sujeitas a acidentes com vazamento de tanques, rompimento de mangotes, lançamento de resíduos sólidos e efluentes sanitários. Falam que as refinarias são fontes múltiplas de poluentes.
Esses ecologistas querem mesmo é inviabilizar o progresso. Essa estória de dizer que o transporte de óleo em navios petroleiros não é seguro é coisa de radicais. Afinal, o acidente que ocorreu há pouco tempo na baia de Guanabara, o vazamento do oleoduto que liga São Sebastião a Cubatão, no litoral paulista e, os diversos derrames de óleo no Canal de São Sebastião, não significam nada. É o preço do progresso.
É difícil rejeitar a refinaria, Pernambuco vive rodando a bolsa; qualquer indústria serve. Não pesa na balança que mais de dez milhões de toneladas métricas de óleo, a cada ano, sejam despejados acidentalmente nos oceanos pelas operações de carga e descarga de navios petroleiros; trazendo consequências desastrosas à pesca, ao turismo e ao lazer de populações litorâneas.
O Complexo Industrial Portuário de Suape, local para onde advogam à instalação da refinaria, está a apenas 25 quilômetros, pelo mar, da mais bela praia urbana do Brasil – Boa Viagem – e as correntes marinhas costeiras são predominantemente no sentido Suape-Recife. Um derramamento de óleo no Porto de Suape poderá chegar, dependendo da intensidade dos ventos, em menos de 48 horas ao Recife. Aliás, este modelo de circulação foi comprovado quando do desastre do vinhoto em agosto de 1983 no Rio Jaboatão. As correntes litorâneas trouxeram o derrame de vinhoto do Rio Jaboatão (Candeias) até a Ilha de Itamaracá. Foram quinze dias sem que a população pudesse usufruir das praias e dez mil pescadores ficaram três meses sem poder pescar.
Em junho do ano próximo passado, pesquisa de correntes costeiras realizada pelo Instituto Oceanário e o Laboratório de Oceanografia Pesqueira da Universidade Federal Rural de Pernambuco, onde foram lançamos ao mar cinco mil cartões de deriva em frente ao Porto de Suape, na condição de ventos de Sudeste e Sul; constatou a chegada desses cartões flutuantes nas praias a Norte de Suape, ao longo litoral de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, até o Estado do Maranhão. Imagine o impacto sócio econômico ambiental, se ocorrer um acidente de grandes proporções, como o ocorrido em 1989 com o navio petroleiro Exxon Valdez no Alaska.
Para se ter uma idéia, o óleo que chegar nas praias, penetrará nos espaços vazios da areia, impossibilitando o uso delas por muito tempo. O óleo que atingir os mangues, dentro dos estuários, tornará esse berçário, responsável por grande parte da vida marinha, imprestável por cerca de 10 anos. Não se pode esquecer que o aumento da incidência dos ataques de tubarões nas praias urbanas do Recife, de 1992 para cá, está relacionado à degradação dos ecossistemas costeiros.
Neste ano lavagens clandestinas de navios no mar ao largo, causaram o aparecimento de óleo nas praias de Candeias, Piedade, Boa Viagem e Pina, esse fato vem se repetindo há anos, mesmo com o esforço da Capitania dos Portos de coibir este tipo de delito. Uma pequena mostra de como poderá ser com a refinaria. Cabe indagar: a tecnologia de prevenção de acidentes garante que nossas praias e, demais ambientes costeiros ficarão protegidos? Vale a pena correr o risco? Caso valha, viva ao Cavalo de Tróia, viva a refinaria!
(*) Geólogo Marinho, Diretor Científico
do Instituto Oceanário de Pernambuco
luizlira@oceanario.org.br